Meu personagem encontra um livro na rua
Tarde morna de outono, o sol tocando as folhas das árvores deixa-as ainda mais verdes e bonitas. O Parque da Redenção é um local no qual Maria realmente gosta muito de passear.
Desde que há muitos anos veio para esta cidade encantou-se com o grande parque que foi ao longo dos anos mudando de fisionomia. Ela preferia quando era mais aberto e com menos gente circulando, tantas pessoas caminhando para todos os lados passa-lhe a impressão de formigueiro. Apesar disto é um de seus locais preferidos para caminhar, tomar sol e segundo ela mesmo diz, para sentir-se viva.
Nos sábados frequenta a feira ecológica e gosta de ir passear no Brique aos domingos. As filhas ou netas a levam, pois é um dos momentos mais esperados por ela durante toda a semana.
Ela vibra com tudo o que vê, seus olhos muito vivos percorrem tudo e todos percebendo os mínimos detalhes, desde as flores que desabrocham nos jardins até os objetos antigos que estão à venda nos espaços dos antiquários. Estes objetos lhe trazem lembranças de sua juventude… As xícaras de porcelana, as bandejas de prata, ou velhos lampiões … lembram as casas antigas, com toalhas de crochê, a mãe e velhas tias e avós em torno de uma mesa da sala de jantar da fazenda. Os olhos por momentos ficam turvos de lágrimas.
Mas ela não é saudosista, ela gosta de viver cada momento do presente.
Quando está cansada, senta-se em um banco próximo à Igreja Santa Therezinha, do outro lado da rua e fica longos minutos apreciando a vida, simplesmente apreciando…
Num domingo qualquer a neta a deixou sentada no local habitual e foi buscar um doce e um suco de laranjas para a vovó na confeitaria Maomé. Este lanche era como um ritual, fazia parte do de domingo.
Ela atenta olhou em sua volta e viu algo sobre o banco, deixado ali por esquecimento? Proposital ou por desleixo? Só Deus sabe, mas o que ela viu logo despertou seu interesse. Um livro.
Pegou, olhou bem, folheou; não tinha nome nem indicação a quem pertenceria.
Viu que era um livro de poesia. Leu o titulo: “Disparo de Tropa” de Hugo Ramirez. Abriu e folheou interessada, leu alguns trechos. Mesmo estando de óculos tinha um pouco de dificuldade, a letra era pequena. Entretanto seu desejo de ler tudo era muito grande e não ia poder esperar a volta de Maria Eugenia muito menos esperar até chegar em casa e Maria Clara poder sentar-se para ler alguma coisa para a bisa.
Abriu na pagina 98 e leu “Gaita Campeira”:
“Gaita andarilha do pampa,
Do pago voz encantada,
Quando escuto a tua toada,
Marcial, risonha ou dolente,
retorno, instantaneamente,
Ao chão da querência amada
Teu som me piala de prancha
Nalgum cepo de galpão,
E, em xucra alucinação,
Me vejo com a indiada, alpedo,
Proseando ao pé do brasedo,
Ao correr do chimarrão
Leu até a estrofe final
É nas rodas galponeiras,
Ou em final de tropeada,
Que tu boleias a indiada
E te tornas querendona
Querida e alegre cordeona
Das bailantas da ramada.”
Maria tomou-se de emoção. Voltou atrás anos e anos… chegou à sua Vila das Pedras e reviu seu tio Vicente de gaita na mão tocando para alegrar as tardes de domingo na ramada ao lado da casa grande. Lembrou os versos da polca de relação. Os versos de improviso que cantavam ao visitar as casas quando tiravam reses durante o ciclo natalino. Tantas lembranças bonitas um livro pode trazer. Quanta vida em suas folhas impressas.
Maria pensou: Obrigada meu Deus por este momento.
Preciso trazer um livro no próximo domingo e deixar neste mesmo banco para que alguém mais possa ter momentos tão bons como acabo de ter agora!
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